Sinas trocadas
A palavra «fado» está indiscutivelmente associada a Maria Severa. Maria Severa Onofriana (1820 - 1846), a primeira cantadeira de fado de que se tem conhecimento, era de ascendência cigana. A sua vida foi marcada por uma trágica sina. Nas palavras de Vítor Duarte Marceneiro, no seu excelente artigo dedicado a esta fadista, pode ler-se: «Atribui-se a essa ascendência cigana a sua beleza exótica e o seu cantar expressivo, que conquistou os boémios da capital» (artigo completo em: Maria Severa). A sua fama deveu-se a um romance de Júlio Dantas, intitulado A Severa, que foi depois transformado em peça de teatro e trazido ao palco em 1901. Em 1931, o realizador Leitão de Barros transformou-a no primeiro filme sonoro português, A Severa. Maria Severa é considerada como a primeira fadista a ter alcançado a fama, atingindo um estatuto quase mítico após sua morte. Nascida em Lisboa, no bairro da Madragoa, em 1820, diz-se que Severa terá sido uma alta e graciosa prostituta que cantava o fado em tabernas, onde também tocava guitarra portuguesa. É famosa por ter tido vários amantes, incluindo Francisco de Paula Portugal e Castro, 13º Conde de Vimioso, que a costumava levar às corridas de touros. Desde a sua morte, inúmeros foram os fados que a celebraram... |
O Velho Fado da Severa
(do filme A Severa de Leitão de Barros) Embora digam que não Eu sou boa rapariga Trago o sol no coração Trago a navalha Trago a navalha na liga Quem tiver filhas no mundo Não ria das desgraçadas Porque as filhas da desgraça Também nasceram Também nasceram honradas |
O Novo Fado da Severa
Frederico De Freitas • Júlio Dantas O Rua do Capelão Juncada de rosmaninho O Rua do Capelão Juncada de rosmaninho Se o meu amor vier cedinho Eu beijo as pedras do chão Que ele pisar no caminho Se o meu amor vier cedinho |
Eu beijo as pedras do chão Que ele pisar no caminho Tem um degrau em meu leito, Foi feito pra ti somente Meu amor sobe com jeito Se o meu coração te sente Ficaria aos saltos no peito Tenho o destino marcado Desde a hora em que te vi Tenho o destino marcado Desde a hora em que te vi O meu amor adorado Viver a cantar o fado Morrer abraçada a ti.. |
Maria Severa
Letra: José Galhardo • Música: Raul Ferrão Num beco da mouraria, Onde a alegria Do sol não vem Morreu maria severa Sabem quem era Talvez ninguém Uma voz sentida e quente Que hoje à terra disse adeus Voz sentida, mas ardente Mas que vive eternamente Dentro em nós e junto a deus Além nos céus |
Bem longe o luar No azul tem mais luz Eu vejo-a rezar Aos pés de uma cruz Guitarras trinai Viradas ao céu Fadistas chorai Porque ela morreu Caía a noite na viela Quando o olhar dela Deixou de olhar Partiu p’ra sempre, vencida Cantando a vida Que a fez chorar Deixa um filho idolatrado Que outro afecto igual não tem Chama-se ele o triste fado Que vai ser desse enjeitado? Se perdeu o maior bem: O amor de mãe |
O Fado da Severa
Letra e Música: Sousa do Casacão Chorai, fadistas, chorai, Que uma fadista morreu, Hoje mesmo faz um ano Que a Severa faleceu. Morreu, já faz hoje um ano, Das fadistas a rainha, Com ela o fado perdeu, O gosto que o fado tinha. O Conde de Vimioso Um duro golpe sofreu, Quando lhe foram dizer: Tua Severa morreu! Corre à sua sepultura, O seu corpo ainda vê: Adeus oh! minha Severa, Boa sorte Deus te dê! |
Lá nesse reino celeste Com tua banza na mão, Farás dos anjos fadistas, Porás tudo em confusão. Até o próprio S. Pedro, À porta do céu sentado, Ao ver entrar a Severa Bateu e cantou o fado. Ponde nos braços da banza Um sinal de negro fumo Que diga por toda a parte: O fado perdeu seu rumo. Chorai, fadistas, chorai, Que a Severa se finou, O gosto que tinha o fado, Tudo com ela acabou. |
Talvez por puro romantismo, pela ideia de uma liberdade desejada e inalcançável ou pelo destino dramático a que se lhes associa, os Ciganos têm, desde sempre, inspirado inúmeros poetas e fadistas...
Carmencita
Repertório de Amália Rodrigues Pedro Rodrigues • Frederico de Brito Chamava-se Carmencita A cigana mais bonita Do que um sonho, uma visão Diziam que era a cigana, Mais linda da caravana, Mas não tinha coração |
Os afagos e carinhos
Perdeu-os pelos caminhos Sem nunca os ter conhecido E andou buscando a aventura Como quem anda à procura De um grão de areia perdido Numa noite de luar, Ouviram o galopar De dois cavalos fugindo Carmencita, a linda graça Renegando a sua raça, Foi atrás de um sonho lindo Com esta canção magoada Se envolve no pó da estrada Quando passa a caravana Carmencita, Carmencita, Se não fosses tão bonita, Serias sempre cigana. |
Troca por Troca
Criado por Berta Cardoso Letra: João Linhares Barbosa Música: Armando Artur da Silva Machado Cigano esguio e trigueiro, Não sei porque me fascinas: Se o bater do teu pandeiro, Se as tuas mãos peregrinas. Quem Quem me dera ser cigana, Seguir da vida os escolhos, Dentro duma caravana, E na prisão dos teus olhos. |
Passar a fome que tens passado, Cantar e ter-te sempre a meu lado. Compreender os dialectos Das sensuais "malaguenhas", Beijar-te os cabelos pretos Quando a dançar te desgrenhas. Mentir nas feiras?...deixá-lo!... Ser como tu, ardilosa, Pedir p'rum velho cavalo Uma conta fabulosa. Na graça do som das velhas violas Bater as conchas das castanholas. Ensina-me a tua fé, Ensina-me tudo isto Que a tua raça "calé" Também possui fé em Cristo. Ó meu cigano adorado Em *troca* ensino-te o fado! |
Sinas
Letra: Henrique Rêgo • Música: Alfredo Marceneiro Já mandei ler tantas sinas Na palma da minha mão E todas elas constatam Que as buliçosas meninas Dos teus olhos é que são As meninas que me matam |
Meninas tão menineiras
Azougadas, leves finas Descrentes, loucas, profanas São pequenas feiticeiras Em janelas pequeninas De rosadas persianas Essas meninas são luzes Que talvez Nossa Senhora Não tenha iguais no altar Mas Deus me livre das cruzes Que há-de ter pela vida fora Quem delas se enamorar Essas meninas bulhentas Mas de afeição tão suave Não deixando de bulir Por elas passo tormentas Fecha as meninas à chave Que são horas de dormir |
Fado da Cigana
De Hermínia Silva (do filme O Ribatejo, de Henrique de Campos) Eu sei ler a sina Quando na mão vem gravada Mas boa ou morfina Se lá não vem, não sei nada! Eu chego a andar perto Desse mistério profundo Mas ninguém sabe o que, ao certo Vem fazer cá neste mundo ou Cigana, Porquê, não atino Sou cigana Por sorte fatal Sou cigana, e pergunto ao menino Jesus Por meu mal, Quem é, quem é Que sabe afinal Qual é, qual é O nosso destino |
As sinas e as flores São como os homens, que juram Eternos amores Que são pra sempre e não duram E o mal é que eu penso Que eles são todos iguais Gostam de nós hoje imenso E amanhã não gostam mais Sou Cigana, Porquê, não atino Sou cigana Por sorte fatal Sou cigana, e pergunto ao menino Jesus Por meu mal, Quem é, quem é Que sabe afinal Qual é, qual é O nosso destino! |
Fado da Sina de Hermínia Silva
Amadeu do Vale • Jaime Mendes Reza-te a sina Nas linhas traçadas Na palma da mão Que duas vidas Se encontram cruzadas No teu coração Sinal de amargura De dor e tortura De esperança perdida Indício marcado De amor destroçado Na linha da vida. E mais te reza Na linha do amor Que terás de sofrer O desencanto Ou breve dispor De uma outra mulher Já que a má sorte Assim quis A tua sina te diz Que até morrer Terás de ser Sempre infeliz. |
Não podes fugir Ao negro fado brutal Ao teu destino fatal Que uma má estrela domina Tu podes mentir Às leis do teu coração Mas ai, quer queiras quer não Tens de cumprir a tua sina. Cruzando a estrada Da linha da vida Traçada na mão Tens uma cruz A afeição mal contida Que foi uma ilusão Amor que em segredo Nasceu quase a medo P'ra teu sofrimento E foi esta imagem A grata miragem Do teu pensamento. E mais ainda Te reza o destino Que tens de amargar Que a tua estrela De brilho divino Deixou de brilhar Já que a má sorte Assim quis E a tua sina te diz Que até morrer Terás de ser Sempre infeliz. |
A Sina (Fado da Cigana) de Hermínia Silva
Letra: Lourenço Rodrigues • Música: Jaime Mendes A cigana tem um fado que é bem triste O fado do seu destino Sem ter pátria e sem ter lar E se à sua negra sorte ainda resiste É que há um poder divino Que a encoraja a lutar Escorraçada como um pobre cão vadio Não se importa que lhe neguem O direito de viver Que a cigana haja sol ou faça frio Foge às pragas que a perseguem Como a sombra até morrer Mas neste mundo de destinos malfadejos Toda a mulher gosta de ser acarinhada Porque afinal sabe-lhe bem ouvir gracejos Mesmo se além dos madrigais não for mais nada Porque a cigana também sente e tem desejos Embora seja pelo mundo desprezada Tal como as outras tem a boca para dar beijos E como a outras sabe amar e ser amada Neste mundo onde a maldade é quem domina A cigana é repelida e a ninguém tira o lugar Só aos outros é que pode ler a sina Porque a sua é já sabida É sofrer e a chorar Corre a gente de terra em terra e de porta em porta E ninguém de nós se importa Só nos tratam como aos mortos Porque é que a humanidade nos repele Se na cor da nossa pele Brilha o sol que é pai de todos Mas neste mundo de destinos malfadejos Toda a mulher gosta de ser acarinhada Porque afinal sabe-lhe bem ouvir gracejos Mesmo se além dos madrigais não for mais nada Porque a cigana também sente e tem desejos Embora seja pelo mundo desprezada Tal como as outras tem a boca para dar beijos E como a outras sabe amar e ser amada |
Sinas Trocadas de Fernando Jorge
Letra: João Alberto Cigana dos sonhos meus Cautela que é falsidade Juraste pelos olhos teus Que me disseste a verdade Andas praí a dizer As paixões que há por aí Melhor deve saber Quem as tem dentro de si Cigana leste a minha sina, Nela disseste o mal e o bem, Duma mulher, a quem eu quero Como a ninguém. Nesta ansiedade, vivo a sofrer Mas a verdade, vou por a nu Sabes quem é, essa mulher Cigana és tu Tens na tua rotina, Sempre a falar em paixão, Noto por minha má sina, Que tu não tens coração. Se o tivesse com certeza Sentias o que eu senti, Minha alma triste andar presa, Não à sina mas a ti, Cigana leste a minha sina, Nela disseste o mal e o bem, Duma mulher, a quem eu quero Como a ninguém Nesta ansiedade, vivo a sofrer Mas a verdade, vou por a nu Sabes quem é, essa mulher Cigana és tu |
Ciganita
Fernando Farinha • Armandinho Andava de feira em feira lendo a sina a toda a gente Ciganita feiticeira, linda como o sol poente De Moura a Vila Viçosa, de Estremoz a Montemor Jornada longa e penosa que ela sabia de cor Os seus olhitos errantes, magoados, sonhadores Eram o sol dos feirantes, estrela dos lavradores Em todos tinha um amigo, como se houvesse fartura De colheita e de ventura, nos seus olhos côr do trigo |
A ciganita, das sombras humilde escrava Prometia a toda a gente riqueza e felicidade Tão expedita nas orações se mostrava Que o povo ficava crente, como se fosse verdade No entanto, na sua lida do mistério desvendar A sina da própria vida nunca soube adivinhar Um dia, no seu labor, surgiu figura imponente Um moço da sua côr, mas de raça diferente Palavras que nunca ouvira, ela ouviu, ela escutou Fossem verdade ou mentira, a jovem acreditou Novo rumo, nova cruz, alcançaria por ele E lá seguiu atrás dele como a sombra atrás da luz Escorraçada, logo se viu, p’lo seu povo O culpado foi-se embora desgraçando a ciganita Desamparada, ás feiras voltou de novo A ler sinas como outrora, mas já ninguém acredita |
A Cigana
Repertório de César Morgado Letra: Júlio Vieitas Nunca mais vi aquela ciganita Que passava ligeira à minha rua; Lendo a sina a qualquer, sempre expedita, Só nunca adivinhou a sorte sua. Segundo ouvi dizer, ao que parece Alguém lhe arrebatou o coração, Mas um moço cigano, que a não esquece, Canta de noite e dia esta canção: Linda cigana, Beleza da minha raça, Volta para a caravana, Não faças minha desgraça. Quem te roubou? Onde estás, que te não vejo? Alguém que nunca te amou E quis matar um desejo. Mas se assim for Jurarei que hei-de vingar Quem te fez atraiçoar As juras do nosso amor. Se fores culpada Desse passo, certamente Terás que ser renegada Pela fé da nossa gente. |
Canção do Cigano de Alberto Ribeiro
Frederico de Brito • Vasco de Macedo P´la raia de Espanha Nas sombras da noite Passava um cigano No seu alazão O vento brandia Seu nórdico açoite E as folhas rangiam Caídas no chão E já embrenhado No Alto Alentejo Nas sombras da noite, Tingidas de breu Nem mais uma praga, Nem mais um desejo Aos ecos distantes, O pobre gemeu Não há maior desengano Nem vida que dê mais pena Do que a vida de um cigano Atravessar a fronteira Para ser atravessado Por uma bala certeira E tudo porque o destino Só fez dele um peregrino Companheiro do luar Um pobre judeu errante Que não tem pátria Nem lar E o contrabandista Temido e valente Voltava de Espanha No seu alazão Um tiro certeiro Um braço dormente E um rasto de sangue Marcado no chão... |
Obrigada a
Vítor Duarte Marceneiro
Ofélia Pereira
e a todos os amantes do fado
que prestaram a sua preciosa ajuda
Vítor Duarte Marceneiro
Ofélia Pereira
e a todos os amantes do fado
que prestaram a sua preciosa ajuda